Guanajuato – O fogo que curou
- djlainedolinda
- 26 de set.
- 4 min de leitura
Cheguei ao México com a sensação de que estava com alguma doença. As crises de ansiedade e os episódios de pânico, que eu nem tinha noção da gravidade, tinham me deixado convencida de que havia algo errado comigo, de que eu poderia morrer a qualquer instante.
Na Cidade do México, onde fiquei em um hostel, essa sensação não me abandonou. Mesmo cercada de vida e movimento, eu continuava acreditando que havia uma doença escondida em mim, e eu tinha uma dor inexplicável que, para mim, era certeza de ser algo muito sério.

De lá segui para Guanajuato. Ia acontecer um festival famoso na cidade, e eu me agarrei à ideia de que, por ser um evento grande, haveria médicos por perto se algo acontecesse. Aluguei um Airbnb, e foi ali que encontrei um amigo que guardo até hoje. Sua recepção generosa me deu um pouco de chão. Nesse mesmo espaço conheci um casal que me convidou para um concerto. Eu aceitei.
Naquela noite, no meio da música, conheci uma mulher incrível, não mexicana, mas que havia escolhido viver em Guanajuato porque amava aquele lugar. Ela me perguntou se eu gostava de dançar salsa, e quando eu respondi que sim, ela me levou a uma festa. Dançamos, rimos, e ao fim da noite, ela me apresentou a uma amiga querida.

Essa amiga fez um convite para o dia seguinte, para algo que mudaria a viagem inteira: participar de um Temazcal. Eu já tinha lido sobre esse ritual indígena, sabia que era de purificação, que tinha um sentido espiritual profundo, mas nunca imaginei que seria chamada a viver aquilo. Ela me disse que seria especial, e eu sabia que era.
Mas o medo ainda me perseguia.
Naquela madrugada eu pesquisei tanta coisa e vi que haviam alguns riscos. Aquela informação me deixou mais insegura. Antes de sair, falei com o dono do Airbnb. Perguntei se era seguro. Ele nunca tinha participado com anos morando lá. Ele disse que, se algo acontecesse, eu poderia mandar mensagem, que estaria atento. Foi a única pessoa a quem contei para onde ia. O lugar do encontro era uma antiga ferrovia.

Eu estava com tanto medo que quase desisti mas, ao chegar no local, as duas novas amigas me disseram que tudo aquilo que eu estava sentindo seria deixado pra trás. Ao mesmo tempo, minha amiga explicou que o Temazcal era como voltar ao útero, que tinha quatro etapas ligadas aos elementos da natureza. Dentro de um iglu de barro, pedras vulcânicas eram aquecidas em uma fogueira e trazidas para o centro. Sobre elas, derramava-se água e ervas, enchendo o espaço de calor e vapor. As rezas e os cânticos em língua indígena completavam o círculo.
Quando entramos, éramos cerca de quinze pessoas. Havia uma idosa e duas crianças. Sentei no chão, e uma menininha de uns seis anos ficou bem à minha frente. Sua presença me deu uma segurança enorme. Assim que fecharam o iglu, vieram a escuridão e o calor. Para quem tem pânico, aquilo poderia ser um gatilho, e foi. Meu coração disparou, meu corpo lutava contra o ar escasso. Mas ao mesmo tempo, os cantos indígenas, os tambores, os instrumentos enchiam o espaço de um ritmo que me conectava a algo maior. No primeiro ciclo, chorei intensamente. Sentia o calor queimar minha pele, mas a música me atravessava de um jeito que me fez suportar.
Quando abriram a porta pela primeira vez, algumas pessoas saíram. Entrou ar e eu respirei finalmente. Pensei em desistir, mas vi as crianças continuarem e decidi ficar também. O segundo ciclo começou. Ali, senti que era o elemento água. Talvez fosse apenas minha interpretação, mas as músicas falavam desse elemento e eu me lembrava do meu mapa astral, quase todo marcado por água. Foi o momento mais bonito: a criança na minha frente começou a cantar sozinha, conduzindo a roda. Chorei de novo, mas dessa vez não de medo — chorei pela beleza.
Quando a porta abriu de novo, as crianças saíram. Eu já estava esgotada, sentia taquicardia, claramente, de ansiedade. Olhei para minha amiga, disse que queria sair, e ela apenas confirmou se eu tinha certeza. Saí. Do lado de fora, vi que os que deixavam o iglu também tinham seu papel: rezavam junto à fogueira, preparavam as pedras que voltavam para dentro. Um dos homens me ofereceu um pequeno galho de erva que usava nas rezas. Aquele presente foi como um amuleto.
Os dois últimos ciclos seguiram lá dentro, mais curtos do que os primeiros. Talvez eu tivesse resistido até o fim, eu pensei. Do lado de fora, eu sentia o sol aquecer meu rosto, ouvia os cantos que continuavam. Não havia arrependimento, apenas paz. Quando terminou, todos tomamos banho de mangueira, partilhamos frutas, houve churrasco, e o ritual se transformou em celebração.
Voltei para casa sentindo que algo tinha mudado. Durante toda a viagem, nunca mais senti a dor embaixo da costela. Ela ficou ali, naquela fogueira, dissolvida nas cinzas. A ansiedade ainda me acompanhava, mas já não era a mesma. Eu tinha vivido aquela sensação do útero que minha amiga tinha falado, tinha chorado e resistido dentro do calor sufocante e claustrofóbico, tinha cantado com as crianças, tinha renascido.

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